sábado, 16 de janeiro de 2010

Caroline

No entanto, actualmente, era óbvio que não iria mudar-se; as suas viagens tinham chegado ao fim e ele estava a fazer o descanso que precede o grande repouso. Sentado no grande cadeirão recordava agora toda a sua vida, as suas viagens, as mulheres da sua vida….
Nascera em Leeds uma pequena cidade no Norte de Inglaterra que, aquando do seu nascimento, era ainda mais pequena. A sua mãe, de ascendência escocesa, trabalhava em casa fazendo a lide doméstica, cuidando dos filhos e tratando da horta quando o seu pai chegava demasiado cansado da sua jorna na construção dos caminhos-de-ferro. O seu pai, um ‘irlandês típico’ como lhe gostava de chamar referindo-se assim ao seu hábito e à sua necessidade compulsiva de ‘ouvir’ o “Concerto nº2, de Rachmaninoff”, sofria de distúrbios mentais devido ao excesso de álcool deixando assim inabilitado para todos os trabalhos exceptuando a construção ferroviária. Desde criança que, ao ver o ‘exemplo’ dado pelo seu pai, resolveu tomar o caminho completamente oposto e optar por uma vida de estudos que lhe desse futuramente dinheiro e luxo. John Coleen, alcunhado de ‘Long John’ pelos cidadãos da cidade de Leeds devido à ternura que o seu pai demonstrava pelo whisky com o mesmo nome, acabou o ensino secundário e partiu à descoberta do Sonho Americano. Foi na América que teve o seu primeiro emprego como mineiro numa mina subterrânea de enxofre. Trabalhava aí nesse ambiente imundo, suportando cheiros tóxicos a que nenhum ser humano deveria alguma vez ser submetido, para pagar a sua inscrição na University of South Dakota, juntamente com a alimentação e vestuário, visto que o alojamento era num albergue de mineiros em Silver City. Licenciou-se em engenharia electrónica, ou assim se chama nos dias que correm, pois aquela era a Era da informação e começavam a despertar os primeiros aparelhos que funcionavam por sistema binário, que mais tarde se viriam a chamar “computadores”. Naquele tempo apenas se conseguiam fazer contas de 1+1 ou 2+1 no máximo, se se tentasse mais aquele aparelho sobreaquecia e arruinava-se quase sempre irremediavelmente. Certo era que este negócio lhe trouxe dinheiro e com o dinheiro veio o poder e atrás deste último vieram muitas pretendentes a esposa. Dessas pretendentes veio a sua 1ª esposa. Uma rapariga com cabelo castanho claro, com reflexos dourados que se revelavam debaixo do sol entrou na sua vida como um furacão e tal como estes, deixando o pobre Long John arrasado no final. Chamava-se Caroline, conheceram-se num café através de um blind date, encontros esses que se tornaram um hábito na sua vida, estudava na mesma universidade onde John tinha andado, mas com a diferença no curso; ela estava a frequentar engenharia Biofísica e sonhava em construir ‘aviões’ que pusessem o homem na Lua um dia. Caroline e John Coleen apaixonaram-se à primeira vista; namoraram durante cerca de dois meses, experimentando todos os prazeres da vida que havia para experimentar, e passado esse tempo resolveram casar. Poder-se-ia dizer que a história de Long John de Silver City e de Caroline acabava aqui e que tinham vivido felizes para sempre mas isso não corresponderia totalmente à verdade. Bom, nem totalmente nem nada lá perto. Poucos meses depois de casar, descobriu-se que Caroline era infértil e que por conseguinte não conseguia dar o filho que o marido tanto queria. Mas esse era um mal menor, o amor que sentiam um pelo outro era capaz de ultrapassar esse drama, o que veio a seguir é que matou por completo a felicidade de ambos. Caroline foi infectada com tuberculose, uma doença que até à época não tinha cura desenvolvida e que continuava a matar indiscriminadamente sem dó nem piedade. Com o dinheiro que tinha guardado, John levou a todos os médicos especialistas e mais alguns que conseguiu encontrar, mas ninguém podia fazer nada. Nove meses depois Caroline morreu. John tentou o suicídio mas sem sucesso, era demasiado apegado à vida para escolher uma saída tão cobarde como aquela. Com a passagem da sua mulher para o mundo metafísico, John, enclausurou-se no seu emprego. É certo que este emprego lhe deu muito luxo e poder ao mesmo tempo que ofereceu ao mundo um grande avanço científico e tecnológico mas Long John Coleen nunca mais conheceu a felicidade que havia tido com Caroline, apesar de ter tido mais 3 mulheres que hoje não eram mais que memórias de um passado longínquo. Tinha 50 anos quando se mudou de novo para Inglaterra, desta feita para perto de Londres, onde ouviu que havia uma casa enorme com uma mobília que presenciara a grande Rainha Isabel. Comprou-a, tinha dinheiro que bastasse para comprar umas cinquenta iguais e mandá-las restaurar. Era nessa casa que Mr. Coleen envelhecera, a cuidar dos seus jardins, a ir à caça, a passear à beira do rio Tamisa. Quem olhe hoje para ele não vê senão uma memória mal cuidada do seu anterior “eu”. Era assim que recordava a sua vida, sentado à lareira, com um cobertor pelas pernas. Suspirou, fechou os olhos e murmurou: ‘Long time no see Caroline.’ Tinha partido para o outro mundo. Aquela seria a sua última viagem.

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