sábado, 16 de janeiro de 2010

A morte de Claudia

Não te preocupes meu querido, sei que me terias chorado se tivesses sabido da minha morte. Sei que terias ido ao meu enterro e que ter-te-ias lavado em lágrimas, como eu bem sei que fazes à noite para que ninguém te veja. Mas eu vejo-te, tu sabes que sim. Apesar de já não te ter perto de mim, ainda te vejo, ainda te sinto, meu querido. Se quiseres posso contar-te as horas antes da minha morte porque embora já não esteja nesse mundo, ainda estou dentro do teu mundo onde tu ainda me consegues ouvir.
Morri naquele mesmo dia em que tu me foste ver ao hospital, naquele dia em que estavas de fato e gravata todo penteado e não como eu te conhecera e te amara. Estavas com pressa de ir para a Índia, ou assim me disseste. Quando saíste do quarto comecei a chorar, mas não eram lágrimas de tristeza mas também não diria que eram de felicidade, apenas sei que estava a chorar e a rir. Se calhar diria que eram mesmo de felicidade embora uma felicidade ao extremo de doer. Devia saber que estava quase a deixar-te, não a ti, mas a este mundo onde te conheci e onde tantas aventuras partilhei contigo naquelas cinco semanas e onde conheci a felicidade de um amor inocente. Apertei a campainha para chamar a enfermeira, esta entrou e reparei que devia ser do teu agrado, era alta, com grandes seios presos naquele uniforme branco, não devia ter mais de 30 anos e era uma bela mulher. Sem pensar pedi-lhe que trouxesse algo que comer, perguntou-me se tinha alguma preferência e avisou-me que já não tinha muita coisa, pois àquela hora já tinha sido servido o jantar e pouco mais restava. Saiu e eu fiquei mergulhada nas lembranças do nosso deserto, daqueles trinta e três dias que me pareceram uma vida inteira de felicidade ao teu lado, as nossas aventuras, os nossos silêncios, as nossas zaragatas e o quão furioso tu ficavas com elas. Voltou pouco tempo depois com uma lata de atum na mão, pediu-me desculpa mas ou era atum ou espargos, pegou numa ao acaso e trouxe-ma. Ainda se ofereceu para ir trocar se eu quisesse mas eu disse que não. Curioso hein? Aquilo que comias no deserto e que tanto refilavas comigo por se estar sempre a acabar, veio agora parar-me às mãos, como sendo a minha última refeição. ‘Afinal ainda havia atum’ pensei para comigo ao mesmo tempo que abria a lata para o comer com particular satisfação (e tu sabes o quanto eu preferiria os espargos ao atum, mas como tu próprio disseste ‘talvez a vida tenha razões que a razão desconhece’). Quando o acabei de comer, pousei a lata já vazia na mesa e voltei-me para o outro lado. De repente achei-me outra vez na nossa tenda, dentro do meu saco cama contigo a meu lado a ouvir o ruído das estrelas como eu lhe chamava. E esse ruído tornava-se cada vez mais intenso, um ruído inaudível que me chamava, vi-me lentamente a abandonar o meu corpo, entre flash’s da tenda e da cama do hospital. Percebi então que a minha vida tal como a conhecia tinha acabado, estava a viajar em direcção ao desconhecido, mais uma vez, como há 15 anos atrás, só que desta vez, sem ti. E agora cá estou, sendo a tua estrela, aquela para que tu olhas todas as noites antes de tu ires dormir e sorris nostalgicamente. Quem me dera ter tido tempo (ou coragem) para te ter dito o quanto significavas para mim, apesar de não ser preciso pois tu conhecias-me como ninguém. Ainda assim gostava de to ter dito. Mas não te preocupes pois estarei aqui à tua espera, a ver as tuas mudanças de casa e de vida, e tenho a certeza que vais ter uma agradável surpresa quando chegares ao pé de mim, não te vou dizer o que é, apenas de te digo que onde quer que esteja, tenho os pés cobertos de areia fina branca e é só essa mesma areia que vejo para onde quer que olhe. Ah, já me ia esquecendo, não te preocupes demasiado com essas duas rugas que te apareceram durante a noite, foi só para implicar um bocadinho mais contigo.

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